2.28.2011

conversa 1726

Ela - Como é que é possível que um homem de quarenta anos se levante da cama às três da tarde?
Eu - Então! É bastante possível. Basta estar deitado a essa hora.
Ela (silêncio)
Eu - Que olhar é esse?
Ela - É um olhar incrédulo.

conversa 1725

Ela - Hoje sinto-me feliz. O tempo está a ficar primaveril e eu sem nada de jeito para vestir.
Eu - Ahn?!
Ela - Vou passar a tarde a comprar roupa. Queres vir comigo?
Eu - Não... não posso. O tempo está a ficar primaveril e eu cheio de sede. Vou passar a tarde a beber. Queres vir comigo?
Ela - Não... não posso. Já te disse que vou às compras. Mas... vais passar a tarde a beber?
Eu - E a comer amendoins, azeitonas e tremoços. Talvez também faça umas palavras cruzadas, já que detesto sudokus.
Ela - Que vida tão desinteressante.
Eu - Anseio por uma vida assim desinteressante há muitos anos e não tenho conseguido.
Ela - Eu cá vou comprar roupa. E mesmo assim prefiro sudokus a palavras cruzadas.

coisas que fascinam (117)

A Kodak tinha uma frase publicitária que dizia que recordar é viver. Recordar não é viver, muito pelo contrário. Quando olhamos para trás na nossa vida, seja através duma fotografia ou da própria memória, fazemo-lo quase sempre duma forma melancólica, porque o passado é isso mesmo, aquilo que não volta a ser.
Recordar um momento feliz pode desenhar-nos um suave sorriso nos lábios, mas também nos causa uma espécie de vácuo na alma. É uma felicidade reprimida pelo tempo, talvez por estarmos a tentar respirar um ar já respirado.
Só no Amor é que existe o olhar para trás como se fosse para a frente. Hoje, enquanto tomava café numa esplanada de Aveiro, vi um homem cruzar-se com uma mulher na mesma altura em que desviavam o olhar um do outro. Uns passos depois ambos olharam para trás ao mesmo tempo, apanhando-se mutuamente nessa coincidência cósmica que é querer ver e ser visto ao mesmo tempo. Ela acenou-lhe timidamente com a mão e continuou a andar até ser engolida numa curva da cidade. Ele ficou algum tempo mais, mesmo quando já não a podia ver, porque a podia sentir.
Ambos olharam para trás olhando para a frente, e nessa frente, tenho a certeza, poderão tornar a encontrar-se um dia destes.

2.27.2011

conversa 1724

Ela - Hoje disse ao meu marido que ando a pensar deixá-lo. Sabes o que é que ele me respondeu?
Eu - O quê?
Ela - "Se me deixares, escreve antes a receita do teu pudim de pão e deixa-a em cima da mesa da sala, por favor".
Eu - Ena!
Ela - Incrível, não é?
Eu - Incrível deve ser o teu pudim de pão. Tens que me fazer um...
Ela - Ainda te faço um mas envenenado.

respostas a perguntas inexistentes (132)

a estátua de algodão

Quando ela se deita, tudo o que nela é brusco e violento adormece muito antes do seu corpo. É por isso que depois do jantar ele conta os minutos um a um, à espera do momento em que lhe pode perguntar como correu o dia, uma pergunta trivial que deixou de o ser há algum tempo, não se lembra bem quando. Ela responde sempre abanando os ombros como se quisesse enxotar a pergunta. Às vezes fazem amor, embora raramente, e quando o fazem acabam abraçados até adormecerem os dois. Nessas noites não há trivialidades.
Normalmente é ele quem adormece primeiro, e ela petrifica o corpo como uma estátua de algodão para não o acordar. Petrifica o corpo, não a mente, que fica a responder a si mesma à pergunta que nessa noite ele não fez porque fizeram Amor. A merda do dia nunca correu bem, e é só nessas alturas que ela gostava de lhe poder dizer isso, que a violência latente que nela habita não é por ele, é pela merda do dia. Pena ele estar a dormir.
Ele não sabe que nela, as palavras que lhe vão ficando prisioneiras nos lábios sempre que abana ombros também a vão aprisionado nelas. É uma ansiedade crescente que a impede de dormir depois do sexo.
Ela não sabe que nele, esses raros actos de Amor e sexo são sempre o sinal de que o dia seguinte será melhor, e que é essa aparente acalmia, aninhada numa estátua de algodão, que o põe apressadamente a sonhar.

2.25.2011

respostas a perguntas inexistentes (131)

desenhos e fotografias

Um Amor pode ser um desenho ou uma fotografia de que se gosta. Olha-se e gosta-se, mas com uma diferença fundamental entre ambos. Um desenho faz-se a partir de uma folha de papel em branco, ou seja, do nada. Uma fotografia faz-se a partir da realidade, ou seja, do tudo.
A Ana e o Paulo começaram a namorar a partir do nada. Conheceram-se por acaso numa festa de amigos e nessa mesma noite acabaram na cama. Fizeram amor duas vezes antes de adormecer e, para surpresa de ambos, quando acordaram de manhã nenhum deles estava arrependido. A luz matinal do Sol cortava as frinchas das persiana do quarto mas não cortava a vontade de estarem juntos, acabando assim por morrer na pele deles que se misturava na poção química de mais beijos matinais.
A Helena e o Nuno começaram a namorar a partir do tudo. Conheceram-se em crianças e praticamente cresceram juntos. Dividiram o mesmo baloiço, a mesma escola, o mesmo liceu e a mesma universidade. Já jovens adultos dividiram algumas noites embriagadas, alguns filmes no cinema e, por fim, acabaram a dividir também a mesma cama. Não perceberam logo se tinham confundido amizade com Amor mas, como cada vez que se afastavam tinham imediatamente saudades  um do outro, acabaram por se render a este último, e depois duma conversa acompanhada de um jantar entregaram-se formalmente um ao outro.
O desenho da Ana e do Paulo começou a falhar quando perceberam que não gostavam das mesmas cores. Era o efeito da novidade que lhes alimentava o sexo e a vontade de estarem juntos, e em pouco tempo o sabor dos beijos perdeu-se num gesto diário mecânico e vulgar. Separaram-se quase naturalmente, quase sem se despedirem um do outro.
A fotografia da Helena e do Nuno foi perdendo cor depois da formalização da coisa, como se o Sol a tivesse queimado. Não que não gostassem um do outro, mas porque a vida lhes parecia cada vez mais um corredor estreito. Conhecendo-se um ao outro desde sempre, não conheciam mais nada, e ambos sentiam um desejo secreto de desenhar. A separação foi mais difícil, e custou algumas lágrimas e muitas noites mal dormidas com a solidão.
Os quatro passeiam-se por aí nestes dias, à procura de poder fotografar e desenhar com alguém, que já perceberam que só uma das coisas não funciona.

2.24.2011

conversa 1723

Ela - Andei a pensar nisso e acho que descobri qual é o meu problema com os homens.
Eu - Qual é?
Ela - É que não suporto miúdos mimados, egoístas e que acham que as mulheres só devem vir com um lado bom e têm que estar sempre disponíveis para tudo e mais alguma coisa, e que ainda por cima têm a mania de que são superiores ao nosso estado de espírito quando nos enervamos.
Eu - Estiveste a discutir hoje com o teu marido?
Ela - Sim.

o homem como um cão

A Voodoo publicitou assim, penso que em 2009, a sua lingerie de Inverno. A mensagem, penso eu que mais ou menos clara, é que uma mulher que use roupa interior Voodoo consegue trazer os homens pela trela como se fossem cães.
Esta publicidade criou uma celeuma enorme em diversos países, sempre por causa do desrespeito que alegadamente demonstra pelo género masculino. A Voodoo, na altura, respondeu que a publicidade tem o hábito de desrespeitar o género feminino e que isto não era mais do que um equilibrar da balança.
Pessoalmente não acho a imagem ofensiva, talvez porque a vejo apenas pelo seu lado humorístico, e de certeza porque eu já me senti como aqueles homens da imagem, atrelado e a salivar. No entanto, a resposta da marca deita tudo a perder. Os géneros devem ser iguais no respeito e não no desrespeito. Isso é incontornável.

2.23.2011

conversa 1722

(na minha casa)

Eu - Vou-te fazer um vinho quente.
Ela - Vinho quente?
Eu - Sim. Com este frio sabe mesmo bem.
Ela - Nunca provei.
Eu - Vais provar agora. Fui comprar todos os ingredientes necessários há bocadinho. Podes acreditar que não há melhor bebida para engatar um homem numa noite fria.
Ela - E só agora é que dizes?!
Eu - Só agora, como?
Ela - Agora que eu comecei a namorar...

respostas a perguntas inexistentes (130)

comida

Não existe maior aproximação entre o Amor e o paladar do que quando alguém diz que anda a comer outro alguém. Um destes dias, e enquanto pousava os seus olhos nos meus, a Raquel apresentou-me a uns amigos como "o gajo que anda a comer". Eles olharam para mim, curiosos pela minha reacção, mas eu não reagi. Normalmente a comida não reage, disse-lhe depois enquanto nos afastávamos num abraço forte.
Na verdade acho que o sexo tem sabores. Há mulheres mais doces ao paladar do que outras, sendo que isso dependerá também de quem as saboreia. O mesmo, com toda a certeza, se passará com os homens. Mas neste maravilhoso mundo dos sabores o que interessa é como se come. Nunca fui, nem acredito que venha a ser, adepto da fast food, e o que mais admiro na comida é ser uma necessidade básica do corpo que o Homem sabe transformar num acto requintado.
A comida é o nosso denominador comum, e é também por isso que existe a expressão "comer com os olhos". Se não comêssemos com os olhos, a fome enlouquecia-nos antes da primeira trinca que damos nesta vida, seja ela um beijo gelatinoso numa noite primaveril, uma lambidela gelada numa noite de Verão ou uma experiência carnal a ferver numa noite de Inverno.
Talvez seja um exagero ofendermo-nos tanto com a metáfora entre o Amor e a comida. Afinal de contas, de metáfora mesmo até tem muito pouco. O Amor é o principal alimento da alma e do corpo. E a única verdade que eu conheço é que a fome dá em todos. Se vos der a vocês, comam.

2.22.2011

conversa 1721

Ela - Eu já não amo o meu marido nem o meu marido me ama a mim, é a verdade.
Eu - E já falaram nisso?
Ela - Não, acho que nunca vamos falar, assim como também nunca nos vamos separar.
Eu - Porquê?
Ela - Porque somos muito amigos.
Eu - Quem acha que a amizade e o Amor são coisas parecidas, na minha opinião, está muito enganado.
Ela - Talvez não sejam bem o mesmo, mas confundem-se.
Eu - Eu não confundo nada. Acho que a amizade cabe no Amor mas o Amor não cabe na amizade. É mais ou menos isso.
Ela - Talvez. Estás a aconselhar-me a separar-me do meu marido?
Eu - Não, não estou. Estou a dizer-te que acho que estás a optar por viver com um amigo e por não viver um Amor. Não te estou a dizer que isso é bom nem mau.
Ela - Pois estou, mas como antes do meu marido vivi um Amor violento, que me ia destruindo, agora acho que estou muito bem assim.
Eu - Acho isso estranho.
Ela - O quê?
Eu - Acho que a amizade cabe num Amor mas a violência não. Nunca chamaria Amor a uma relação violenta.
Ela - Mas eu chamei, não devia ter chamado mas chamei. E sinceramente acho mesmo que Amor pode ser violento e ser Amor na mesma.
Eu - Achas?
Ela - Acho. O Amor é o expoente de todos os nossos sentidos. Nunca foste violento com uma mulher que amasses?
Eu - Já tive discussões mas nunca agredi nenhuma e tenho a certeza que nunca o vou fazer.
Ela - Lá está. Já tiveste discussões.

conversa 1720

Ela - Estou a ficar flácida.
Eu - Estás a ficar o quê?
Ela - Flácida.
Eu - Desculpa lá, mas assim de repente não me parece nada.
Ela - Isso é porque só me conheces vestida. Aos quarenta anos uma mulher começa a esconder-se atrás da roupa.
Eu - No Afeganistão é aos doze. São obrigadas a andar de burka.
Ela - Lá estás tu e a tua insensibilidade.
Eu - Era só uma piada.
Ela - Não tem piada nenhuma. Tenho quarenta anos, não tenho namorado e sinto-me mal com o meu corpo.
Eu - No Afeganistão têm namorado mesmo que não queiram. São obrigadas. Aliás, os namorados são mais donos delas do que namorados delas.
Ela - Outra vez uma piada?
Eu - Estava a tentar relativizar as coisas...
Ela - A minha flacidez não tem nada de relativo. Cala-te!

o selo de garantia do Amor

Recebi de um leitor o texto seguinte:

Hoje pensei que o amor, como quase todos os equipamentos que compramos tem um selo de garantia. Normalmente nos equipamentos quando esse selo é de alguma forma danificado, nós ficamos sem garantia.
É o mesmo que dizer que a partir daquele momento se o equipamento se estragar temos que nos desenrascar. Se der para arranjar e se acharmos que vale a pena tudo bem. Caso contrário não nos resta outra hipótese senão atirar com o equipamento para o lixo e quando possível comprar um novo.
Inconscientemente passamos a olhar para o equipamento de uma forma diferente, começamos a tratá-lo com mais cuidado e se for algo mesmo importante por vezes damos por nós a rezar que ele não estrague, para que dure o máximo de tempo possível.
Nalgumas relações por vezes acontece o mesmo. A relação vai avançando no tempo, com altos e baixos, momentos bons, momentos maus. Aguentamos tudo. Mas porque no amor nada é garantido, por vezes acontece algo que nos deixa de rastos, sem reacção, sem vontade de continuar.
É como se esse selo de garantia tivesse sido quebrado. Olhamos para a relação e pensamos que falta ali qualquer coisa, algo que se perdeu. Seja porque houve uma discussão, um desentendimento, palavras ofensivas, um abre olhos, existem várias razões para que isso
aconteça.
Sem esse selo de garantia, aos nossos olhos a nossa relação vai estar sempre um pouco debilitada.
Sem esse selo de garantia, a relação já não parece tão forte.
Sem esse selo de garantia, a pessoa que nos acompanha já não tem tanto impacto na nossa vida.
Sem esse selo de garantia tudo muda.
Cabe às pessoas a partir desse momento puxaram ambas para o mesmo sentido, cuidarem ainda mais da relação. E mesmo assim, não podem nunca tomar nada por garantido. Porque o amor é mesmo assim: uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura.

por: António Figueiredo

2.21.2011

say no to the dress

No casamento não devíamos dizer "sim", devíamos era dizer "não".
Este fim de semana passei os olhos por um programa chamado "Say Yes to the Dress" (Diz Sim Ao Vestido), sobre a forma como as noivas norte-americanas compram os seus vestidos de casamento, renovação de votos e afins. Um casal de classe média chega a gastar onze mil dólares num vestido, o que é uma tolice porque, para além de só se usar uma vez, é injustificadamente caro.
A única justificação, aliás, é que o "sim" que se diz com um vestido de onze mil dólares, é um "sim" tão pesado para a vida que tem que se andar de cabeça perdida antes de o dizer. Tipo, vou fazer uma asneira tão grande (dizer que "sim") que, antes dela, vou fazer uma mais pequenina (enterrar as minhas poupanças todas num vestido) para me ir habituando.
O "sim" do casamento é um "sim" a tudo menos ao Amor, porque esse "sim" já foi dado antes várias vezes. Em cada beijo que se deu, em cada entrelaçar das mãos, em cada acto sexual ou abraço já dissemos que sim. O "sim" do casamento é mais um "sim" contratual, ou seja, o oposto de todos os outros "sins" que dissemos antes. O "sim" do casamento, seja ele civil ou religioso, é uma promessa de que se vai gostar mesmo quando já não se gosta, e além disso se vai fazer as contas ao património, salários e o que mais houver.
Talvez o casamento fosse mais sério se pudéssemos dizer que não. Talvez o casamento devesse ser uma cerimónia para mostrar ao outro aquilo que não se quer nem se deseja para a vida, e se pudesse fazê-lo porque se parte já do pressuposto de que o Amor existe e por isso não é preciso contratualizá-lo. Se o casamento fosse isso, umas das coisas a que eu diria não, certamente, era a vestidos de onze mil dólares.

2.18.2011

respostas a perguntas inexistentes (129)

compras

Ontem uma senhora tentou passar-me à frente no supermercado. Não a deixei passar. Primeiro posicionou-se ao meu lado e não atrás de mim como é normal numa fila daquelas. Depois, na altura exacta de começar a pôr as compras no tapete rolante, começou a fazê-lo apressadamente antes de mim, nunca cruzando o seu olhar com o meu. Com os braços abri atabalhoadamente espaço entre aquele monte de embalagens diversas e coloquei as minhas compras. Ela não disse nada, ou seja, tinha perfeita consciência que me estava a passar à frente.
O meu saco de salada ibérica passou a um euro e noventa e nove, um euro a mais do que estava marcado na prateleira. Protestei e pedi para verificarem o preço, o que demorou uns quatro ou cinco minutos. A empregada da caixa pediu-me desculpa pela demora e eu respondi que não fazia mal, até porque não estava com pressa. Os olhos da senhora incharam de um ódio invisível mas pesado e começou a bufar. Eu não tinha mesmo pressa nenhuma, e bastava ela ter-me pedido para passar que eu deixava sem problema nenhum.
Enquanto eu e ela esperávamos pela confirmação do preço da minha salada, lembrei-me que uma vez, no liceu (creio que no meu oitavo ano), andei uns três meses para arranjar coragem para convidar uma miúda para sair comigo. Quando finalmente consegui, ela disse-me que ia pensar e me dizia na semana seguinte. Esperei pela semana seguinte em vão, mas como era do Amor que estava à espera, acabei por esperar também pelo mês seguinte e por todos os outros até ao fim do ano escolar, sempre à espera duma resposta que nunca chegou. Mesmo nas férias, nas poucas vezes que me cruzei com ela na rua, tive esperança que ela finalmente me dissesse alguma coisa. Nunca disse.
É estranho como perdemos a paciência tão depressa numa fila do supermercado ou num semáforo vermelho, mas pela esperança do Amor somos capazes de estar eternamente à boleia numa estrada onde nem passam carros.
E lá veio a confirmação do preço da salada. Eu tinha razão, mas a empregada não podia sozinha alterar o preço por uma questão técnica qualquer (pareceu-me que precisava dum login informático duma superiora) e pediu-me para esperar mais uns minutos. Sorri-lhe e disse-lhe que não me importava, mas nesse caso que fosse atendendo a senhora seguinte. E nestes nossos confrontos mesquinhos do dia-a-dia, em que perdemos tanto tempo de vida a sério mas nos congratulamos por não deixar que alguém nos passe à frente no supermercado, fui derrotado por uma lembrança de Amor com uns trinta anos.

conversa 1719

Ela - Às vezes perco toda a réstia de fé e esperança que ainda tenho nos homens.
Eu - Então?
Ela - Ontem tentei ter uma discussão amigável com o meu marido sobre a forma morna como está a nossa relação.
Eu - E depois?
Ela - Ele esteve sempre calado e a olhar para a parede como se não me estivesse a ouvir. Só acordou quando eu disse que a nossa relação não tem nexo.
Eu - Acordou como?
Ela - Confundiu a palavra "nexo" com "sexo".

engordem, diziam eles...


Em 1969 era assim. Uma empresa fazia publicidade nas revistas aos seus produtos nutritivos para ajudar as mulheres magras a engordar (e já agora, os homens também). Isto para aquelas que queriam ser populares, porque as demasiado magrinhas não o eram. Tenho uma ou duas amigas que, se vissem isto, de certeza que reagiriam com uma cara de espanto e um "oh! que horror". Eu, por mim, acho que em 1969 o mundo era melhor. Mas isso sou eu...

2.17.2011

amor, amar e ter amado

Devido à greve da CP, e de eu ter ficado encalhado em Espinho, estou num bar perto da estação a alimentar a esperança que passe um comboio que me leve para Aveiro. Se não passar terei que dormir por aí, muito provavelmente no local onde trabalho. Logo se vê.
Mas não é disso que quero falar. Neste mesmo bar onde estou passei muitas horas antes de conhecer a Raquel, ou melhor, antes de a Raquel me conhecer (os que aqui costumam vir sabem que eu a conheci vinte anos antes dela me conhecer a mim). Passei-as ali ao balcão, também à espera do último comboio para Aveiro (mesmo quando podia apanhar um mais cedo, costumava ficar à espera do último só para matar o tempo). Aqui afoguei inúmeras noites em copos de uísque e conversei com estranhos ao balcão tão perdidos como eu. Lembro-me até de passar a noite toda em Espinho, na conversa com uma ex-prostituta com quem me distraí a falar da mania que a vida tem de ser doce e amarga ao mesmo tempo, e por causa da qual perdi o último comboio. Nessa altura o bar chamava-se Estado Líquido e agora chama-se Joker. Embora mantenha exactamente o mesmo aspecto de bar de subúrbio, nota-se que a gestão mudou.
Nessa altura a minha vida ganhara o ritmo dum barco à deriva num oceano tão calmo quanto turvo. Estava bem, ou melhor, estava calmo, mas a minha proximidade com o Amor era a mesma que se tem com os peixinhos dum aquário. Estão ali, são bonitos, mas nunca lhes tocamos.
Agora, neste preciso momento, esses momentos e essas sensações não são mais do que pinturas emolduradas na minha memória. A realidade mudou. Já não procuro cruzar-me com olhares tão perdidos quanto o meu para que o tempo se torne mais leve. Há bocado uma mulher pediu-me lume e eu limitei-me a dizer-lhe que não fumo, e eu tenho a certeza que há três anos atrás lhe teria dito para se sentar que eu ia buscar fogo onde fosse preciso.
Às vezes fala-se muito em elaboradas e românticas declarações de Amor. Eu continuo a pensar que não há nenhuma declaração de Amor tão grande como esta que faço para mim mesmo (e neste caso a vocês), para o horizonte longínquo e silencioso que a Raquel desenhou em mim mesmo. Estou aqui, encontrado num bar onde já me perdi, porque ela existe, e porque a amo mais do que nessa altura pensava que seria possível para um comum mortal como eu. Não sei se isto vai ser sempre assim, porque a única certeza que tenho da vida é a minha própria morte, mas não me custa nada acreditar que sim.
Sejam felizes, que eu vou ver se apanho um comboio.

2.16.2011

coisas que fascinam (116)

Não podemos ser patetas a não ser no Amor. Não o podemos ser no emprego, não o podemos ser nas compras, não o podemos ser em lado nenhum a não ser com quem nos ama. O Amor tem muito adjectivos, talvez até tenha todos os adjectivos do léxico, mas o de pateta assenta-lhe que nem uma luva.
É que há dois caminhos para analisar as patetices de outra pessoa. O caminho comum, em que se despreza o pateta porque não passa disso mesmo, e o caminho do Amor, que é aquele em que sorrimos face a uma patetice. E só o Amor pode transformar uma patetice num sorriso.
Pensei nisto hoje, quando me cruzei com um casal que caminhava de mãos dadas à minha frente, e ele ia a olhar para cima como se procurasse anjos nas nuvens. Bateu num poste de frente, parou e colocou as mãos na face como se elas pudessem absorver a dor. Ela abraçou-o, chamou-lhe pateta, e depois continuaram.

pensamentos catatónicos (236)

O fim duma relação entre duas pessoas é sempre triste. Tão triste, que essa tristeza é certa mesmo quando o fim da relação beneficia ambos, que é o mesmo que dizer quando ambos a desejam. Talvez o fim duma relação seja o único exemplo nesta vida em que entristecemos ao mesmo tempo que damos um passo para ter uma vida melhor.

conversa 1718

(na cozinha dela)

Eu - Posso tirar uma cerveja do frigorífico?
Ela - Podes, e podes também sentar-te num desses bancos.
Eu - Ena! Tens Sagres preta. Maravilha.
Ela - Tenho, e tu podes sentar-te num desses bancos.
Eu - Gosto de cerveja preta, mas acho que a Sagres é mesmo a melhor.
Ela - Ok, podes sentar-te num desses bancos.
Eu - Queres uma para ti?
Ela - Quero que te sentes já num desses bancos. Estou farta de te mandar.
Eu - Não me estavas a mandar, estavas só a dizer que eu podia.
Ela - Quando eu digo que podes é como se fosse uma ordem. Não gosto de gente em pé no meio da cozinha quando estou a cozinhar. Se não te sentas já nunca mais te convido para jantar.

2.15.2011

conversa 1717

(no café)

Ela - Desculpa o atraso. Estive a comer espinafres.
Eu - Se tivesses comido outra coisa não te atrasavas?
Ela - Não. Como comi espinafres ainda fui a casa lavar os dentes...
Eu - Ah!
Ela - Faço isso sempre, desde que uma vez combinei com um estranho um encontro, através da internet, e quando ele abriu a boca pela primeira tinha um dente verde.
Eu - Meteu-te impressão?
Ela - Não. Fiquei nervosa e comecei a rir sem parar.

respostas a perguntas inexistentes (128)

o tempo

O tempo. Há duas formas de falar do tempo. Diz-se demasiadas vezes que o tempo está mau ou bom, o que quer dizer que está de chuva ou que está Sol, respectivamente. O tempo é daquelas coisas de que falamos quase sempre qualitativamente e quase nunca quantitativamente, a não ser quando nos faz falta. Nessa altura dizemos que temos pouco tempo. Só aí.
É muito raro ouvir alguém dizer que tem tempo de sobra para fazer o que quiser. A culpa é Nossa, que enquanto espécie andamos a fazer tudo ao contrário do que seria melhor para nós. Somos escravos do trabalho porque o trabalho é escravo dum sistema económico glutão, chamado capitalismo, que por sua vez é escravo de alguns bancos e outro tipo de instituições financeiras, que por sua vez são escravas duma minoria de pessoas no planeta. Depois... só falamos do tempo porque ele nos falta, ou então para dizer que está a chover ou que está Sol, o que é a mesma coisa que não falar porque isso todos sabem.
O problema do Amor é esse: precisa de tempo. Senão é um Amor às prestações. E não digo isto tendo em conta apenas o tempo em que quem se ama partilha as horas que passam, e que às vezes parecem voar nas asas dum condor. Falo do alívio do tempo. Aquele alívio em que somos capazes de respirar fundo porque não temos que pensar no que temos que fazer a seguir. É esse o tempo do Amor, um tempo que parece infinito e que não passa recibos verdes.
E hoje escrevo isto porque me sinto sem tempo. E sentir-me sem tempo é sentir-me com menos vida e com menos Amor.

2.14.2011

conversa 1716

Ela - Achas que um homem se pode apaixonar por uma mulher só pelo seu aspecto físico?
Eu - Acho.
Ela - Bem, pelo menos és sincero.
Eu - Sincero?! É óbvio que um homem se pode apaixonar por uma mulher só por ela ser bonita. É claro que isso não quer dizer que não se desapaixone mal a conheça.
Ela - Ah! Então é como as mulheres.
Eu - Voilá!
Ela - Mas também é possível despertar o interesse dum homem sem começar pela parte física, não é?
Eu- É, claro que é.
Ela - Ah! Então é como as mulheres.
Eu - Voilá!
Ela - E achas que um homem se pode apaixonar por uma mulher que conheceu na internet, e com quem tem trocado uns emails cada vez mais quentes, depois dela lhe ter enviado umas fotografias falsas a fingir que é uma loira toda boa?
Eu - Vou ali à despensa buscar uma garrafa de vinho, está bem?

coisas que fascinam (115)

Às vezes dizes que não te ouço. Não é verdade. Eu ouço-te sempre, só que às vezes não sei o que dizes. E não, não é por não te compreender. É porque gosto de mergulhar na tua voz em inconstantes apneias de Amor. Nunca dançaste ao som duma música sem ligar nada à letra? Pois é isso mesmo, às vezes falas e eu danço. Porque te amo.

desprezem o dia dos namorados

Isto é um pedido para que desprezem  o dia dos namorados, propositadamente escrito com letra minúscula. Eu desprezo-o. Acho que foi a pior invenção de todos os tempos para celebrar o Amor. Não me admira, vem de um santo reconhecido pela Igreja Católica, aquela que quer impedir os padres e os homossexuais de amar e controlar a forma como os heterossexuais o fazem.

O dia dos namorados é o contrário do Amor. No dia em que eu pensar, por um segundo que seja, em ter um comportamento especial com a pessoa que eu mais amo por ser dia dos namorados, então é porque o meu Amor por ela morreu. Pior ainda se se põem a comprar merdinhas made in china a dizer "I Love You", seja uma almofada de poliéster cor de rosa, um ursinho de peluche com ar de pateta ou uma caneca com um gatinho com ar mimado. 
Depois há esta ideia de que ser romântico é vestir um fato de mafioso italiano com cheiro a naftalina, alisar o cabelo com cuspe e oferecer uma flor à namorada enquanto se esboça o sorriso mais ignóbil possível. Camóne! Poupem-me! Um gajo faz anos uma vez por ano, o Natal é uma vez por ano, o Carnaval é uma vez por ano. Mas os namorados não o podem ser uma vez por ano.

2.13.2011

conversa 1715

Ela - Este fim de semana estive numa festa duma amiga e senti-me tão fora...
Eu - Fora?!
Ela - Sim. Só eu e outra mulher, que por acaso nem conhecia, é que estávamos sem namorado. De resta era só abracinhos e beijinhos por todo o lado. Acabei por passar a maior parte do tempo com essa rapariga que eu nem conhecia de lado nenhum.
Eu - Pelo menos estava lá alguém para não sentires tão pendura.
Ela - Pois, mas isto é uma merda. Quando uma pessoa está sozinha, os abraços e os beijos dos outros têm muito mais impacto. Passei o fim de semana todo a desejar que pelo menos um daqueles casais tivesse uma discussão, para eu me sentir melhor por estar divorciada.

2.11.2011

conversa 1714

Ela - Vou de lua de mel em Maio.
Eu - Vais casar?
Ela - Sim. Estou com vontade de partilhar a minha vida.
Eu - Fazes bem, e onde é que vais de lua de mel?
Ela - Ainda nem decidi. O meu futuro marido disse que tanto lhe faz, o que é óptimo porque assim posso escolher sozinha.

respostas a perguntas inexistentes (127)

a azeitona por cima

Uma das estratégias mais bem elaboradas dos nossos dias é a da azeitona por cima. É por isso que eu gosto dela e, mesmo quando não a como, delicio-me apenas com a sua presença. Gosto que a azeitona venha sempre por cima, seja num hambúrguer do Ramona (já agora, os melhores hambúrgueres em Aveiro), seja numa francesinha, numa simples tosta ou noutra coisa qualquer.

É que a azeitona por cima é a estratégia do Amor quando não conseguimos ser melhores para com quem amamos. É o "mas eu gosto de ti" depois duma noite mal dormida. É metade da coisa mesmo quando não a é.

Se a francesinha que me servem num restaurante estiver intragável, continua intragável se não tiver uma azeitona por cima. Se a tiver passa a estar mais ou menos. Se a mesma francesinha estiver mais ou menos, com a azeitona por cima passa a estar soberba. É uma estratégia para mostrar preocupação com o outro. Só quem se preocupa minimamente com o outro se lembra, depois de ter uma trabalheira a cozinhar, do pormenor da azeitona espetada num palito.

As relações entre quem se ama, às vezes andam mais ou menos. Mas o "mais ou menos" nunca é suficiente no Amor, e cede mais facilmente ao estádio do intragável do que ao soberbo, a não ser que leve uma azeitona por cima. Pode ser um "mas eu gosto de ti", um aconchego num lençol à noite ou apenas um sorriso, mas tem que levar uma azeitona por cima. E no Amor as azeitonas por cima podem ter muitas formas.

A azeitona por cima não é suficiente para resolver nada, mas é definitivamente um primeiro passo para resolver tudo. É a iniciática do bem estar e da paz. Enfim, é o mais importante pormenor da vida.

2.10.2011

uma cerveja amortecida

É possível encontrar solidão no meio da multidão? É. Pelo menos é o que um homem qualquer pensa enquanto tantos olhares se vão desviando de si. Talvez da mesma forma que o Amor o tem feito nos últimos meses, parecendo que está sempre a ir ao seu encontro mas desviando-se no último momento. E é essa mania de tudo se desviar no último momento que o fez sentar-se agora na mesa de um café, virado para o espelho enferrujado numa das paredes, e tentar afogar a desilusão num copo de cerveja à pressão.
Numa cadeira pousou um saco de plástico com algumas refeições prontas para aquecer no micro-ondas, uns gramas de fiambre, de queijo às fatias e um pão de forma. Nos seus dias não tem havido investimento em nada, e até a alimentar-se o faz da mesma forma que os passa. Com indiferença.

O Amor tem essa mania de parecer que está sempre quase a chegar. Pelo menos é o que pensa uma mulher enquanto tantos olhares vão pousando sobre o seu corpo e não sobre si. Talvez da mesma forma que um abutre pousa sobre o cadáver dum animal qualquer. E é essa sensação de quase cadáver que a faz entrar agora num café qualquer, sentar-se numa mesa, e proteger-se lá dentro da mesma forma que uma presa o faz na sua toca.
Numa cadeira pousa uma carteira com um batom, algum pó de arroz e um creme para a pele. Lembra-se agora que nos seus dias não tem havido investimento em nada, e que aquelas coisa seriam para um corpo que não lhe tem apetecido tratar.

É um café, só isso. Um café, uma cerveja amortecida, um homem virado para um espelho numa parede e uma mulher virada para si mesmo. O olhar dela pousa nele com a mesma brandura de um pardal num ramo de árvore. O dele continua preso ao espelho mas vê-a, a ela e ao seu corpo. Pelo menos parece. Lá está ao Amor a fingir que está quase a chegar. Talvez hoje chegue mesmo.

conversa 1713

Eu - Li no Jornal de Notícias que as mulheres portuguesas são as mais sexualmente satisfeitas em toda a Europa.
Ela - A sério?
Eu - A sério. Fizeram um estudo científico sobre isso.
Ela - Valha-me Nossa Senhora.
Eu - Que foi?
Ela - Há alguma coisa neste país que me anda a passar completamente ao lado.

2.09.2011

conversa 1712

(na casa dela)

Ela - Estou tão cansada. Vais à cozinha buscar o saca-rolhas?
Eu - Vou. Onde é que o guardas?
Ela - Nas gavetas em frente ao frigorífico, a segunda a contar de cima, encostado ao fundo, nas mesma secção que tem uma faca grande com o cabo amarelo.
Eu - Bastava dizeres qual era a gaveta.
Ela - Se eu só te dissesse qual era a gaveta tu não o ias encontrar, porque os homens nunca encontram nada, e eu tinha que acabar por me levantar na mesma.

a incerteza da música

Amanhã à noite há dj Bagaço Amarelo no Clandestino bar, em Aveiro. Não tenho a certeza do que vou passar mas convido-vos, a esse propósito, a visitar um amigo meu que tem a certeza de tudo o que diz respeito à música. E, se quiserem, podem ouvir no meu site pessoal dois sets bagaçólicos, um brasileiro e outro caboverdiano.

pensamentos catatónicos (235)

Um homem cansa-se duma relação e entra num poço de dor em que sofre porque ela nunca mais acaba. Até um dia em que acaba mesmo e descobre que ainda sofre mais por isso. Amar parece, nesse momento, ser uma maldição, um presente envenenado da mãe natureza. Isola-se, bebe demais às vezes e bebe de menos outras, tem sexo a mais uns dias e sexo a menos outros. É um processo digestivo em que se tem continuamente vontade de vomitar. E o tempo vai passando até um dia em que acorda e parece que finalmente está tudo bem. Finalmente, pensa antes de prometer a si mesmo que "mulheres nunca mais". E promete-o a sério.
Promete-o a sério mas também se engana a sério, já que não leva muito tempo a sentir que se pode meter noutra, e é a partir desse momento que um homem deixa de ter certezas sobre seja o que for, e talvez a partir desse momento que o Amor deixa de ser uma questão regimental e passa a ser apenas aquilo que de facto é: a vontade de estar com outra pessoa. Às vezes demais, outras vezes de menos.

2.08.2011

conversa 1711

Ela - Já tenho saudades de uma noite de sexo.
Eu (risos) - Há quanto tempo é que estás em abstinência?
Ela - Desde ontem.
Eu - Desde ontem?! Então não te queixes.
Ela - Mas a de ontem não conta. Foi com o meu ex-marido.
Eu - Com o teu ex?! Admito que estou espantado. Já me disseste tão mal dele...
Ela - O gajo é uma besta, mas na cama é bom. Aliás, é exactamente o que ele pensa de mim, de certeza. Por isso está tudo bem.
Eu - Mas então tens saudades de quê?
Ela - De ir para a cama com alguém que goste de mim.
Eu - E de quem tu gostes, não é?
Ela - Isso já é mais difícil de acontecer.

conversa 1710

(ao telefone)

Ela - Ai! Andei tanto hoje. Tira-me os sapatos e faz-me um chá, por favor.
Eu - Quem?! Eu?!
Ela - O quê?!
Eu - Estavas a falar comigo ou com alguém aí em tua casa?
Ela - Contigo. Vivo sozinha e não tenho ninguém em casa. Acabei de chegar...
Eu - Ah! Mas como é que queres que eu te tire os sapatos pelo telefone?
Ela - Não quero, mas disse isso assim para me recordar da sensação que é chegar a casa e poder pedir a alguém que me tire os sapatos.
Eu - Porque é que não os tiras tu?
Ela - Tiro, mas não é a mesma coisa.
Eu - Não é?
Ela - Não. A sério que hoje só queria um homem para me tirar os sapatos e fazer-me um chá. Depois podia ir embora.

respostas a perguntas inexistentes (126)

andar por aí à espera que um coincidência esbarre connosco

Sentir a falta duma mulher que se conhece, que se ama e deseja, mas que não nos ama, é uma sensação de perda. Por outro lado, sentir a falta duma mulher que ainda nem se conhece é uma sensação de esperança. São duas formas diferentes de tropeçar no Amor, esse animal selvagem que ora ruge dentro de nós, ora hiberna durante uma estação inteira. E por falar em estações, são elas que explicam bem estes tropeções.

Durante alguns meses sente-se a falta daquela mulher, especificamente daquela, e passa-se uma estação do ano, talvez a do Verão, a desejá-la. Depois, talvez no Outono, passa-se a sentir a falta duma mulher qualquer, e demora-se outra estação, talvez a duma cidade, a aperceber-se que desejar uma mulher qualquer não é o mesmo que desejar qualquer uma.

A melhor saída para um Amor impossível é procurar um Amor que se desconhece, talvez numa transeunte numa estação qualquer. As portas fecham-se, os comboios partem, e fica-se preso no cais como se os pés fossem as longas raízes duma árvore. Depois fica sempre o vazio a povoar os intermináveis carris e um céu que parece fechar-se. Mas há uma esperança contínua cada vez que outro comboio chega. talvez porque se acredita que o Amor começa sempre numa coincidência e que uma coincidência começa sempre numa pessoa. Numa pessoa qualquer e não em qualquer uma.

Talvez seja assim, andar por aí à espera que um coincidência esbarre connosco.

2.07.2011

pensamentos catatónicos (234)

a volta dos tristes

Quando eu era criança chamavam a "volta dos tristes" àquela que as famílias davam ao domingo à tarde, calcorreando a cidade em pacientes automóveis que nunca ultrapassavam a velocidade média de um caracol. Normalmente, num só carro, viajava uma família inteira e ainda um cão de plástico que abanava hipnoticamente a cabeça de um lado para o outro.
Nunca percebi porque é se chamava triste ao único dia da semana em que as pessoas me pareciam calmas, primeiro porque era nesse dia que os meu pais me compravam invariavelmente um pastel de nata ou uma bola de berlim, mas também porque me parecia que era o único dia em que se tinha tempo e disponibilidade para olhar para as coisas tal como elas eram, fosse uma árvore, uma nuvem, um filme na televisão ou outra coisa qualquer.
Hoje de manhã quase fui atropelado por um carro que se recusou a parar numa das passadeiras da cidade. Fez uma travagem brusca e só parou depois de passar por cima de mim, caso eu não tivesse dado um salto para trás. Olhei para dentro do carro e ia um homem sozinho, com um ar um pouco perdido mas que não me pareceu nada feliz. Triste, pensei eu, é um país que chama triste aos poucos momentos que tem para viver a sério.

conversa 1709

Ela - Ando tristonha.
Eu - Porquê?
Ela - Porque não consigo estar feliz.
Eu - Porquê?
Ela - Porque ando assim um bocadinho triste com a vida.
Eu - Porquê?
Ela - Porque tu não paras de me perguntar porquê, porquê, porquê... em vez de me convidares para uma cervejinha.

esqueci-me de me lembrar

Várias pequenas coisas ocupam-me o pensamento quando saio de casa pela manhã, antes de fechar a porta. Verificar se tenho o telemóvel no bolso esquerdo das calças, confirmar a presença da carteira no bolso direito e das chaves no bolso do casaco. Se houver contas para pagar, por exemplo, acresce ainda a preocupação de levar os respectivos papéis na mão. São momentos em que o pensamento é apenas um automatismo. Não há muitos "ses" pelo caminho nem muitas opções a fazer.
As pessoas que se esquecem frequentemente da chave dentro de casa são chamadas de distraídas. Às vezes até lhes dizem que só não perdem a cabeça porque está agarrada ao corpo. Erradamente, se julga uma pessoa acusando-a de não ligar nada a nada e por isso atrapalhar a sua vida e a dos outros.
Eu não acredito em pessoas que não ligam nada a nada. Acredito é que há pessoas que não se dão bem com a inocuidade dos pensamentos automáticos, pessoas que se recusam a verificar todos os dias se têm o telemóvel no bolso porque preferem estar a pensar, por exemplo, na letra duma música que acabaram de ouvir numa rádio qualquer.
Este fim de semana fui lavar uma carpete a um tanque público de Ramalde, no Porto, com a Raquel. Já no carro, ela disse que se tinha esquecido da carteira em casa e eu, com a crueldade imediata que só os chavões sabem ter, respondi-lhe exactamente assim: "Só não perdes a cabeça porque...". Não acabei a frase. Imediatamente percebi que é uma sorte ter uma namorada assim.

2.04.2011

conversa 1708

(ao telefone)

Eu - Preciso falar contigo pessoalmente. Onde é que vais estar amanhã?
Ela - A que horas?
Eu - A uma hora qualquer.
Ela - Na cama.
Eu - Na cama?!
Ela - É o único sítio onde tenho a certeza que vou estar a uma hora qualquer.

pensamentos catatónicos (233)

Dizem que só os doidos é que falam sozinhos. Eu, doido me assumo. Falar sozinho é uma forma de me manter vivo e é o coração mecânico da minha forma de pensar. Normalmente falo sozinho em silêncio, como se me estivesse a ler os lábios, mas de vez em quando chego a ouvir a minha própria voz.
Uma das vantagens de falar sozinho é não ter que pensar naquilo que o outro quer ouvir, seja no conteúdo ou na forma, e assim digo exactamente o que me vem à cabeça. A desvantagem principal é que me sujeito a ouvir de tudo e a ter que enfrentar o que ouço. As conversas que tenho comigo mesmo são aquelas em que tenho a certeza que tudo o que é dito é verdade. Talvez, se quiser ser meticuloso, até sejam as únicas.
Quando falo da verdade não falo de tecnicismos, falo de emoções. A verdade tecnicista, aquela que por exemplo se preocupa com a horas a que acordo e adormeço, pouco me importa. A outra verdade, aquela que se preocupa com eu estar ou não apaixonado, importa-me muito. Talvez me importe tudo. E é por isso que às vezes tenho que falar sozinho.
É fácil sentir uma paixão quando estamos perto de por quem nos apaixonámos, mas a sua presença pode-nos enganar um pouco ou, se preferirem, encantar um pouco. É depois, quando já estamos longe e em condições de falar connosco, que podemos ter a certeza do que estamos a sentir.
Não digo que seja sempre assim, mas às vezes é.

2.03.2011

respostas a perguntas inexistentes (125)

das urgências do estar só

A dependência do café não é apenas a dependência do café. É a dependência de fazer qualquer coisinha. Quando somos apanhados sem estar a fazer nada, ficamos desarmados. Não sabemos onde colocar as mãos nem sequer o olhar. Por isso é que quando queremos estar sem fazer nada em público tomamos um cafezinho. É uma forma de fazer qualquer coisa enquanto não fazemos nada. E chamamos-lhe assim, cafezinho, para ver se ninguém lhe dá essa importância.
Aliás, é mais ou menos por esse motivo que caminhamos depressa na rua quando não temos para onde ir, ou nos pomos a ler panfletos publicitários que não nos interessam nada no autocarro de manhã. Não nos damos bem quando somos apanhados sem um objectivo imediato, e por isso arranjamos um. É uma urgência.
Essa urgência desaparece quando estamos acompanhados. Com alguém ao lado podemo-nos sentar ao balcão de um café sem pedir nada, enquanto esse alguém lancha a meio da tarde. Com alguém ao lado passeamo-nos nas ruas à lenta velocidade das sombras e seguimos no autocarro ou no comboio envoltos num cobertor de quietude. Ter alguém ao lado acaba com as falsas urgências do estar só.
É que ter alguém ao lado é como mudar de mundo. Deixámos de nos preocupar com o primeiro, aquele em que estranhos nos olham enquanto não fazemos nada e por isso ficamos desajeitados, e aterrámos noutro, aquele alguém ao nosso lado. Só isso. E é para aí que tende o Amor, querer aterrar em alguém definitivamente para não nos preocuparmos com o resto.

conversa 1707

Ela - O amor devia ser sempre o nosso último reduto e eu acho que nunca tive isso.
Eu - Último reduto?
Ela - Sim. Gostava de namorar com um homem que me desse razão mesmo quando eu não a tivesse.
Eu - Assim sem mais nem menos? Dava-te sempre razão e pronto?
Ela - Claro, isso queria dizer que ele gostava de mim mesmo com os meus defeitos.
Eu - Uma coisa é ele gostar de ti com os teu defeitos, outra coisa é ele gostar dos teus defeitos em si.
Ela - Não é nada.
Eu - É sim, são coisas diferentes. Eu acho que posso gostar duma mulher com o que, na minha opinião, possam ser os seus defeitos. Mas isso não quer dizer que eu goste desses defeitos. E na verdade, é o que eu espero duma mulher que goste de mim: que me aceite com os meus defeitos. Mais nada!
Ela - Mas o amor verdadeiro nem defeitos vê.
Eu - Não vê nos primeiros dias. Depois passa a vê-los num instante.
Ela - Bem, eu ainda nem sequer te amo e já estou a ver que tens esse enorme defeito de achar que no amor se vê defeitos.

2.02.2011

o desespero é tal...

A ver se se livrava dela, um funcionário dos serviços de imigração britânicos colocou a mulher na lista de potenciais terroristas, isto durante um período em que a mesma se ausentou do país. Quando regressou ficou confusa. (ler no Sol).
Ainda bem que o homem não trabalhava num talho, digo eu.

respostas a perguntas inexistentes (124)

a minha avó

A minha avó disse-me uma vez que somos esculturas do tempo, que a vida nos esculpe da mesma forma que um escultor o faz à pedra mais sólida. Porque nós todos, de uma forma ou doutra, temos uma alma de pedra. Foi a primeira vez que percebi que a minha avó, apesar não saber ler as letras, sabia ler as pessoas melhor do qualquer outro.
Hoje lembrei-me da minha avó com mais intensidade do que é normal em mim, talvez porque enquanto esperava o comboio, e na preguiça de abrir o livro que tinha entre as mãos, me pus a pensar na forma como a vida já me esculpiu a mim. A morte dela, aliás, foi mais uma pancada certeira nesta escultura em que me petrifico todos os dias.
Quando a minha avó morreu eu estava triste porque me tinha divorciado uns meses antes. Foi com a morte dela que descobri que, afinal de contas, e contra tudo o que eu sentia nesses dias, ainda havia espaço em mim para mais tristeza. Mesmo assim, entre o meu divórcio e a sua morte, ainda teve tempo para me dizer que, com o tempo, eu ia perceber que a minha separação tinha sido uma coisa boa. E disse-o assim, chamando-lhe uma "coisa boa".
Para além da minha avó ter sido aquilo que todos esperam que uma avó seja: alguém com uma paciência do tamanho do mundo, foi também ela a primeira a aliviar-me da carga enorme que eu sentia sobre mim. Não só pelo que disse mas principalmente pela forma como o disse. E se em puto era para casa dela que eu levava gatos, ratos, hamsters, cães e todo o tipo de animais que encontrava na rua e os meus pais não aceitavam em casa; em adulto foi ela a primeira a mostrar-me que eu devia ver o copo do meu divórcio meio cheio e não meio vazio.
Nessa manhã saí de casa dela e fui almoçar sozinho a um restaurante na Costa Nova, e acho que nunca um almoço me soube tão bem. Ainda hoje, esta escultura que aqui anda, tem algumas marteladas dela. E vai ter sempre...

conversa 1706

Ela - Acho que me vou inscrever num ginásio. Estou a ficar muito gorda.
Eu - Não acho que estejas gorda, mas acho que fazes bem em ir para um ginásio.
Ela - Eu vou, mas antes de ir tenho que emagrecer um bocado.
Eu - Vais para o ginásio para emagrecer, mas antes de ires tens que emagrecer? Não percebo.
Ela - Não quero estar a fazer exercício, com estas banhas, ao lado de gajas todas bem desenhadas. Sei muito bem que elas se vão rir por dentro.

2.01.2011

respostas a perguntas inexistentes (123)

Nunca simpatizei com a ideia de limpar totalmente a casa antes de receber visitas. Aliás, acho até que esse foi várias vezes motivo de discussão entre mim e quem já partilhou a mesma habitação que eu. Uma coisa é tirar a tralha de cima dos sofás para que todos tenham onde se sentar, tirar os livros de cima da mesa para que seja possível comer e beber, e limpar a casa de banho porque aí está em causa a higiene pessoal de cada um. Outra coisa é fazer uma operação plástica à nossa casa de forma a que ela pareça aquilo que verdadeiramente não é.
Receber alguém em casa é como receber alguém no coração, e por isso devemos receber genuinamente. Desconfio muito quando vou à casa de alguém e ela está tão limpa que parece que não vive lá ninguém. Não gosto de olhar para os objectos que fazem parte duma casa e sentir que nunca ninguém lhes tocou, principalmente porque as coisas em que nunca ninguém tocou se tornam, à minha vista, intocáveis também. E o Amor não vive sem toque. Naquilo que limpamos demasiado, limpamos também o Amor.

coisas que fascinam (114)

O verbo Amar utiliza-se mais como afirmação do que como negação. Tenho a certeza que todos os dias há mais pessoas a dizer que amam alguém do que pessoas a dizer que não amam. Aliás, quando queremos responder que não a alguém que nos declarou Amor, normalmente arranjamos estratégias complexas para não termos que utilizar o verbo Amar na negativa. Ou não estamos preparados para assumir uma relação, ou apanhou-nos numa má fase, ou gostamos muito da amizade do outro e não queremos estragar isso, etc, etc. Tudo mecanismos para não termos que dizer: "Eu não te amo".
Isso dá uma importância enorme ao verbo Amar. Ao contrário, por exemplo, do verbo gostar, que como utilizamos para tudo e mais alguma coisa não nos importamos de usar na negativa. Podemos não gostar duma cor, dum objecto, duma história ou mesmo duma pessoa, que o dizemos abertamente e sem problema nenhum.
Podemos dizer que não gostamos do amarelo mas nunca dizemos que não amamos o amarelo. É que o verbo Amar é tão importante que nem sequer é suposto amarmos uma cor. Sendo assim, não gostar é uma coisa trivial. Não Amar, por sua vez, tem um poder destruidor. Na negativa, o verbo amar pode até transformar a vida em morte, e por isso fugimos dele quando é para o conjugar assim.

conversa 1705

Ela - Alguma vez sentiste ciúmes do passado da tua namorada?
Eu - Ciúmes não diria. Ela teve a vida dela e eu a minha, mas às vezes há uma pedrinha na alma, sim. Quando ela fala do passado, ou mostra fotografias ou assim... mas isso é normal porque eu lembro-me dela dos tempos do liceu...
Ela - É que eu ando a sentir cá uns ciúmes do passado do meu namorado.
Eu - Mas porquê? Da ex-mulher dele?
Ela - Não. Tem piada porque pela ex-mulher não sinto nada. Ele detesta-a e só fala com ela porque têm dois filhos, senão nem falava.
Eu - Então é o quê?
Ela - É principalmente uma amiga que ele tem e que está sempre a telefonar-lhe para irem tomar café os dois. Mas diz sempre que tem que ser só os dois.
Eu - E ele vai?
Ela - Vai. Vai... e eu fico fula.
Eu - Não sei se isso são ciúmes do passado. A mim parece-me que são ciúmes do presente.
Ela - E o que é eu faço? Proíbo-o de sair com ela? Se faço isso ele vai-me achar uma anormal.
Eu - Não faças isso. Acho que uma coisa que te pode fazer sentir melhor é ires tomar café com um amigo teu, também a sós, quando ele fizer isso. E já agora tenta demorar mais do que ele.
Ela - Boa! Que excelente ideia. E já sei quem vou convidar. Às vezes pareces uma mulher a pensar.
Eu - Na verdade foi com uma mulher que aprendi isto.

conversa 1704

(ao telefone)

Ela - Até que enfim que atendes.
Eu - Desculpa. Há bocado ouvi mas estava a tomar banho...
Ela - A tomar banho de manhã?
Eu - Sim, estava a tomar banho.
Ela - Não tomaste banho ontem à noite?
Eu - Não. Cheguei a casa cansado e fui para a cama. Só tomei hoje de manhã. Porquê?
Ela - Porque isso é uma porcaria. A tua cama deve estar a cheirar mal. A tua namorada não te disse nada?
Eu - Não. Esta noite dormi em minha casa e a minha namorada dormiu na dela.
Ela - Mas dizia de certeza, não dizia?
Eu - Sei lá se dizia ou não. Mas porque é que raio me telefonaste?
Ela - Hum... hum... com tanta porcaria esqueci-me.